Limites de exposição ocupacional ao Ruído: a Dose Diária e o NEN.

Um fato que ainda surpreende é que, na maioria dos registros de exposição ocupacional ao ruído contínuo ou intermitente, não seja indicado a que se refere o “número” apresentado.

Em geral, o que se encontra nos Inventários de Risco é apenas isso:

Marceneiro: 92 dB(A)

Ou então algo parecido com isso:

Só que isso NÃO é suficiente para definir se a exposição do trabalhador é aceitável ou não.

Quer saber o porquê?

Então, vamos lá!

O “drama” da avaliação da exposição ao ruído

Já conversamos em artigos anteriores sobre a confusão que impera nas nossas normas quando o assunto é o ruído. Se você não leu sobre a questão do fator de dobra (“3 ou 5?”), leia aqui:

https://www.sabersst.com.br/ruido_fator_dobra/

Além dessa questão, temos a dificuldade de que, na maioria dos casos, a exposição não é “redonda” como na tabela que colocamos lá no início. Só em sala de aula a coisa é tão certinha e você consegue utilizar essa equação aqui de forma que de fato represente a exposição:

Na prática, temos níveis de ruído que variam (máquinas ligando/desligando, material sendo cortado ou não etc) e um trabalhador que circula no seu ambiente. Assim, é quase impossível saber quanto tempo de fato o trabalhador ficou exposto a um determinado nível de pressão sonora.

Para capturar tanta variação, usa-se um dosímetro, que é colocado no próprio trabalhador e fica medindo a situação em tempo real, informando, ao final da medição, todos os parâmetros de interesse para avaliar a exposição.

E é aí que começa a confusão.

Indicadores da Avaliação da Exposição Ocupacional ao Ruído: Dose Diária e NEN.

Inicialmente, para termos uma definição formal de dose, vamos usar o conceito da NHO-01:

Parâmetro utilizado para a caracterização da exposição ocupacional ao ruído, expresso em porcentagem de energia sonora, tendo por referência o valor máximo da energia sonora diária admitida, definida com base em parâmetros preestabelecidos (q, CR, NLI).

Esses parâmetros são:

  • q: incremento de duplicação de dose (o popular “fator de dobra”, o da polêmica do 3 ou 5);
  • CR: critério de referência, que é o nível médio para o qual a exposição, por um período de 8 horas, corresponderá a uma dose de 100% (85 dB(A), no nosso caso);
  • NLI: nível limiar de integração, que é o nível de ruído a partir do qual a gente considera na composição da dose (80 dB(A), na nossa rotina)

Esses parâmetros são setados no dosímetro. Após a avaliação, quando sai o relatório, em geral, você tem duas indicações:

  1. Referente a q=3 dB, limiar de 80 dB(A) e um critério de referência de 85dB(A), também às vezes referido como “critério NHO”, ou “critério previdenciário”.
  2. Referente a q=5dB, limiar de 80 dB(A) e um critério de referência de 85dB(A), referido como “critério NR-15”, ou “critério trabalhista”.

Para cada uma delas, você terá um conjunto de indicadores que será apresentado. Entre esses indicadores, destacam-se:

  • A dose da amostra, que utiliza o conceito básico de dose citado lá em cima mas considera apenas a duração dessa medição, que poderá ser menor ou igual à jornada verdadeira;
  • A dose diária, que se refere a toda a jornada do trabalhador;
  • O Lavg (nível médio), que é o nível de ruído constante, por toda a duração da amostra ou da jornada, que produziria a mesma dose computada;
  • O NE (Nível de Exposição), que também é um nível médio, mas que é representativo da exposição diária, usando q=3;
  • O NEN (Nível de Exposição Normalizado), que é o nível de exposição convertido para uma jornada padrão de 8 horas, para comparação com o limite de exposição em dB(A), e que também pode ser usado para representar a jornada quando se usa o critério da NHO-01.

Alguns dosímetros e sistemas mais novos separam bem esses indicadores. Em outros, no entanto, você tem apenas a indicação da situação 1 ou 2 e, então, a dose, dose diária e o Lavg.

Daí é importante você saber que:

  1. A dose de ruído é um valor absoluto, porque durante a medição o aparelho já considera o nível de ruído permitido para aquele tempo. Para entender isso, lembre-se da tabela da NR-15: para 4 horas você poderia ter 90 dB(A), para 2 horas seriam 95 dB(A) etc. Então:
  • Se você medir a jornada inteirinha, a dose da amostra será também a dose diária;
  • Se medir só uma parte, pode fazer uma regra de três simples com a dose da amostra para obter a dose diária – desde que o período que você mediu seja representativo da jornada completa! Mas, em geral, o dosímetro já vai dar a dose diária para 8 horas – corrija se a sua jornada diária for diferente!
  1. O Lavg, quando obtido com fator de dobra “3”, é um nível médio que tem equivalência energética real. Então, o Lavg representativo da jornada, obtido com q=3, é o NE. Tendo o NE, é possível calcular o NEN através da seguinte equação:
Fonte: NHO-01.

Que bagunça! Então que informação é suficiente para definir a exposição????

Se a dose diária for determinada, a informação está completa. A determinação do NEN também define a exposição, quando se usa o critério da NHO-01.

Quando não se fala na dose diária ou estamos usando o critério da NR-15, temos que ser mais específicos.

Como já falamos acima, o nível médio é aquele que produziria a mesma dose de exposição que o ruído real da situação de trabalho.

Só que esse nível médio deve estar NECESSARIAMENTE acompanhado da informação da duração da jornada. Isso porque:

  • Se o nível médio for 90dB, a jornada for de 4 horas e estiver sendo usado o critério da NR-15 (q=5), a dose é de 100% e a exposição seria aceitável;
  • Se o nível médio também for 90 dB e o critério também for o da NR-15, mas a jornada for de 8 horas, a dose será de 200%[1]!!

Parafraseando o prof. Mario Fantazzini, a dose é absoluta, mas o nível médio é relativo!

Então, quando aparece simplesmente um valor de X dB(A) em um Inventário de Riscos, a gente não sabe se é o Lavg, se é o Nível de Exposição Normalizado, se foi usado um fator de dobra de 3 ou 5, se a jornada do trabalhador é de 8 horas ou tem uma duração diferente…

E assim, não sabemos se a exposição atende às normas vigentes ou não.

E agora?

Leia com atenção o relatório das dosimetrias, especifique os incrementos de duplicação de dose usados e os indicadores respectivos, com clareza!

Ah, e se quiser fazer algum tratamento estatístico (tipo “planilha da AIHA”) ou análise bayesiana, use a dose, e não o valor em dB(A)[2]!

E mais um dado, em tempo: o nível de ação para o ruído é definido como a metade da dose, conforme item 9.6.1 da nova NR-9.

Façamos todos um bom trabalho!


[1] Prevenção de Riscos. Mario Fantazzini, Proteção Publicações, 2013.

[2] Uma Estratégia para Avaliar e Gerenciar Exposições Ocupacionais. AIHA/ABHO, 2021.

Cibele Flores

Engenheira Mecânica, Engenheira de Segurança do Trabalho, Mestre em Engenharia, Auditora Fiscal do Trabalho e professora em cursos de especialização.

2 Resultados

  1. Caio Chausse disse:

    Cibele, antes de tudo, parabéns pelo material. Muito didático e elucidativo.
    Sobre o nível de ação, fiquei com uma dúvida. A metade da dose seria entendida como uma dose de 50% ou 0,5, seguindo os cálculos estabelecidos na NR 15?
    E quanto ao “NLI – Nível Limiar de Integração”, qual seria esse valor para a NR 15? Onde está definido e registrado qual seria o valor a ser considerado para esse parâmetro na NR 15?

    • Cibele Flores disse:

      Oi, Caio!
      Pois é, a NR-15 é cheia de omissões – e onde a norma é omissa, se busca preencher com a boa técnica. 😉
      Se você deseja se aprofundar no assunto, sugiro que busque uma série de artigos do prof. Mario Fantazzini sobre o tema – penso que devem estar disponíveis no site da Revista Proteção.
      Bons estudos!

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