Hierarquia das Medidas de Controle e a “Cultura do EPI”

Infelizmente, o universo prevencionista vive a “cultura do EPI”.

O Equipamento de Proteção Individual é, quase sempre, a primeira solução adotada diante de um risco ambiental. Isso não seria errado, se não fosse pelo fato de essa primeira medida quase sempre se tornar a única.

Isso, em muitos casos, não é aceitável – nem correto do ponto de vista técnico.

A hierarquia das medidas de controle dos riscos ambientais é ignorada. Além de ser parte fundamental dos princípios da Higiene Ocupacional, essa hierarquia tem previsão legal e, como tal, deve ser obedecida.

Nesse artigo, conversaremos sobre a hierarquia das medidas de controle e como colocar as coisas em seu devido lugar. Ao final, você saberá:

  • A ordem de prioridade das medidas de controle dos riscos ambientais, segundo a NR-1;
  • Por onde começar o seu trabalho, ao buscar aplicar a hierarquia das medidas de controle;
  • Por que a “cultura do EPI” é tão nociva, e que “distribuir EPI” não é uma tarefa tão fácil quanto a maioria pensa.

Vamos lá!

A hierarquia das medidas de controle

Todos sabemos que, diante dos riscos ocupacionais, alguma medida de controle deve ser tomada.

Essas medidas de controle, porém, não podem ser adotadas de qualquer jeito, sem critérios. Existe uma ordem de prioridade que deve ser seguida.

E essa hierarquia está estabelecida, na nossa legislação, pelo item 1.4.1, “g”, da nova NR-1.

Basicamente, é aquilo que sempre ouvimos, como um mantra, nos cursos técnicos e de especialização.

FONTE – TRAJETÓRIA – INDIVÍDUO

Diz o item 1.4.1, alínea “g”, que:

1.4.1 Cabe ao empregador:

(…)

g) implementar medidas de prevenção, ouvidos os trabalhadores, de acordo com a seguinte ordem de prioridade:

I. eliminação dos fatores de risco;

II. minimização e controle dos fatores de risco, com a adoção de medidas de proteção coletiva;

III. minimização e controle dos fatores de risco, com a adoção de medidas administrativas ou de organização do trabalho; e

IV. adoção de medidas de proteção individual.

O item 1.5.5.1.2 da nova NR-1/GRO complementa essa ideia, estabelecendo que:

1.5.5.1.2 Quando comprovada pela organização a inviabilidade técnica da adoção de medidas de proteção coletiva, ou quando estas não forem suficientes ou encontrarem-se em fase de estudo, planejamento ou implantação ou, ainda, em caráter complementar ou emergencial, deverão ser adotadas outras medidas, obedecendo-se a seguinte hierarquia:

a) medidas de caráter administrativo ou de organização do trabalho;

b) utilização de equipamentos de proteção individual – EPI. 

Observe esse item. Veja que, antes de recomendar o uso do EPI, você precisa comprovar que as medidas de proteção coletiva são tecnicamente inviáveis.

Também precisaria comprovar que as medidas de controle são insuficientes, ou então que está estudando/planejando/implantando medidas de proteção coletivas.

Só então, depois de cumpridas essas etapas, é que o uso do EPI seria justificado.

Infelizmente, em geral, não existe esse cuidado. “Prescreve-se” o uso de EPI e se considera o problema resolvido.

Tal postura é errada do ponto de vista técnico e legal, e precisa ser revista por nós, profissionais da prevenção.

E na prática, como aplicar esse conceito?

Para adotar medidas de controle adequadas, e de acordo com a hierarquia, é preciso entender o processo produtivo.

Sempre que você se vir diante de um processo em que haja algum risco, é importante se questionar o porquê de ele ocorrer dessa maneira. Algumas perguntas podem nos ajudar nessa pesquisa:

  • O produto que gera o contaminante é insubstituível?
  • O trabalhador realmente precisa estar naquele local? Não pode realizar a atividade de outro posto, ou em uma cabine isolada?
  • Não existe outra forma de realizar a operação?
  • O material perigoso precisa ser utilizado daquela forma? Não é possível usar flocos em lugar de um pó fino, para diminuir a dispersão, por exemplo?
  • Posso reduzir o tempo a que o trabalhador fica exposto ao risco?

É preciso conversar muito com os trabalhadores e com os gestores, para entender exatamente o que acontece. Se você é tímido, trabalhe essa característica, porque o prevencionista tem que gostar de conversar. É pré-requisito. 😉

Essas informações nos darão uma visão muito mais profunda sobre aquele processo. A partir daí, poderemos adotar as melhores medidas de controle para os riscos identificados.

Medidas de controle x Hierarquia

Vamos agora comentar algumas medidas de controle usuais (ou não), e sua “posição” dentro da hierarquia.

Hierarquia das medidas de controle dos riscos ambientais.
Hierarquia das medidas de controle dos riscos ambientais.

Sobre essas medidas, vale observar que:

  • O objetivo da substituição é eliminar ou reduzir efeitos de substâncias e materiais que oferecem riscos à saúde. Antes de mais nada, temos que ter cuidado para não piorar a situação. Talvez não seja interessante substituir um irritante por um inflamável, por exemplo. Sobre o tema, recomendo o livro Substitutes for Hazardous Chemicals in the Workplace (P. Filskov et al, CRC Press, 1996).
  • Se não for possível alterar a substância perigosa, talvez seja possível alterar a forma pela qual ela é introduzida no processo.
  • Alterações simples em processos podem ter bons resultados. Por que varrer, “levantando” poeira, em vez de utilizar um processo a úmido? Por que realizar dosagem manual de alguns produtos químicos, com baldes, se podemos utilizar bombeamento?
  • Quando se trabalha com um processo enclausurado, devemos também observar a possibilidade de ocorrência de emissões fugitivas.
  • É fundamental que os sistemas de ventilação sejam dimensionados por profissionais habilitados, e que a manutenção seja incluída na programação de manutenção geral da empresa.
  • Por vezes, conseguimos deixar o processo ótimo para a operação normal. Não podemos, porém, esquecer do pessoal da manutenção. Devemos selecionar medidas de controle adequadas para suas atividades também.

Essa lista, evidentemente, não é exaustiva, e temos muitas outras medidas de controle possíveis. Conversaremos mais sobre elas futuramente. 🙂

E agora?

Sob a ótica da Higiene Ocupacional, o uso permanente de equipamentos de proteção individual não é uma boa solução.

Não se aceita, por exemplo, que um funcionário trabalhe em uma prensa de engate por chaveta desprotegida, confiando em seu comportamento ou em absurdos como os antigos “salva-mãos”. Porque aceitamos então que alguém manipule um cancerígeno sem que haja enclausuramento ou exaustão local?

Além disso, devemos observar que, em geral, os EPIs são selecionados de forma inadequada.

É muito comum o uso de respiradores sem que tenha sido realizado o ensaio de vedação. Também vemos trabalhadores expostos a gases e vapores utilizando respiradores com filtros para particulados…

Selecionar EPIs de forma adequada, principalmente proteção respiratória, não é tarefa simples. Conversamos sobre os erros mais comuns nesse artigo aqui, e recomendo também a leitura do Programa de Proteção Respiratória, da Fundacentro.

O cumprimento dessa publicação é obrigatório, segundo a Portaria 672/2021, do Ministério do Trabalho e Previdência. Infelizmente, porém, em raros casos se observa o atendimento mínimo das recomendações do Programa.

Então, antes de recomendar ou aceitar somente o uso de EPI, principalmente proteção respiratória, pergunte-se: existe outra solução possível?

Provavelmente, a resposta será “sim”. Busque-a!


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Façamos todos um bom trabalho!

Cibele Flores

Engenheira Mecânica, Engenheira de Segurança do Trabalho, Mestre em Engenharia, Auditora Fiscal do Trabalho e professora em cursos de especialização.

9 Resultados

  1. Dyonatan Fortunato disse:

    Trabalho com poeira de madeira o limite é de 1mg/m3 o controle na fonte e trajetória é um desafio.

  2. Juarez Martinsmar disse:

    Para trabalho com á quente (solda e corte com lixadeira) com liberação de fumos metálicos, existem outras medidas que não seja o E.P.I ? Qual respirador seria o correto?

    • Cibele Flores disse:

      Leia o artigo sobre operações de soldagem, em que apresentamos a solução adequada para essas atividades e os fundamentos para essa decisão.
      Bom trabalho!

  3. Juarez Martinsmar disse:

    Mais duas dúvidas.
    Um colaborador que durante varias horas do dia, despeja sacos de cimento de 50 kg em um misturador e recebe a poeira em grande quantidade no seu rosto. Do ponto de vista respiratório:
    1- Qual o respirador recomendado?
    2- Quais as doenças que ele esta sujeito?

    • Cibele Flores disse:

      Olá,
      Sugiro que você leia os artigos sobre classificação de agentes químicos e proteção respiratória.
      Nosso objetivo não é prestar consultoria, e sim dar informações que permitam que você encontre suas próprias respostas, com independência e fundamento técnico. 🙂
      Até mais!

  4. Luiz Claudio disse:

    Com a obrigatoriedade de esocial, qual o valor médio cobrado para se fazer o escial em empresa de até 20 funciorios, grau de risco 1. Fazendo avaliações de ruido e vibração, junto com toda documentação e adequação da empresa ? Quanto que euposso cobrar, já que é o primeiro que vou fazer.

    • Cibele Flores disse:

      Olá,
      Não respondemos esse tipo de pergunta, mas vou deixar seu comentário publicado no caso de algum colega querer ajudar.
      Até mais!

  5. Career-Site disse:

    Em situacoes onde a empresa ja esta em funcionamento, ainda e possivel implantar medidas de controle, como, por exemplo, realizando sempre a manutencao e lubrificacao das maquinas e equipamentos, substituindo maquinas e equipamentos por outros mais modernos e silenciosos, instalando abafadores nos escapamentos e programando as operacoes de forma que diminua a quantidade de maquinas operando ao mesmo tempo. O controle no meio ou trajetoria se da quando o ruido ja foi gerado (na fonte). Este controle pode ser feito atraves da absorcao do som (por exemplo, com o uso de la de rocha) ou do isolamento acustico.

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