Avaliação e Controle da Exposição a Cancerígenos – Parte 1
A classificação de uma substância como cancerígena não é uma tarefa fácil. Afinal, existem várias listas e critérios estabelecidos por entidades igualmente respeitáveis, e muitas vezes não há coincidência entre elas.
As classificações da IARC (que serviram de base para a elaboração da nossa LINACH – Lista Nacional de Agentes Cancerígenos para Humanos) e da ACGIH são bem conhecidas.
Mas é interessante conhecer também uma classificação que traz alguns conceitos diferentes.
É a adotada pela entidade que define as Concentrações Máximas no Ambiente de Trabalho (MAK) na Alemanha. Ela pode ser vista no livro Toxicologia Ocupacional, publicado pela Fundacentro e sobre o qual escrevemos aqui.
O livro nos apresenta a classificação adotada no ano de 2018. Para baixar a sua versão mais recente, acesse aqui:
https://series.publisso.de/en/pgseries/overview/mak/lmbv/curIssue
O acesso é gratuito e a lista é publicada em inglês e espanhol também.
Segundo essa classificação, haveria grupos de cancerígenos para os quais seria possível estabelecer, com alguma segurança, concentrações máximas nos ambientes de trabalho.
Mas, antes de entrar nessa classificação, é preciso entender alguns conceitos…
Vamos lá!
Relação Dose-Resposta, Genotóxicos e Limiar de Efeito
Um dos conceitos mais clássicos em Toxicologia é o de “relação dose-resposta”, que conecta as características de uma exposição com os seus efeitos tóxicos.
Por meio de estudos, é possível obter a concentração a que podem ser submetidos os organismos sem que eles percam a capacidade de se adaptar, mantendo suas funções normais e não tendo, então, nenhum efeito tóxico. Essa concentração é a dose NOAEL (Non Observed Adverse Effect Level).
Esse é o limiar de efeitos adversos para os indivíduos mais suscetíveis de uma população, e é nele que se baseiam os limites de exposição baseados em critérios de saúde (isso é, sem nenhuma consideração de ordem econômica ou técnica envolvida).
Ocorre que, dependendo do modo de ação no organismo, nem todas as substâncias terão esse limiar. É o caso das substâncias sensibilizantes e, também, das substâncias genotóxicas diretas.
Sobre isso, vale esclarecer que uma substância genotóxica é aquela que provoca uma alteração no DNA:
- No caso das substâncias genotóxicas diretas, uma única molécula pode causar diretamente uma mutação no DNA, com consequências na reprodução e na carcinogênese.
- Já as genotóxicas indiretas reagem com o DNA através de mecanismos como estresse oxidativo, inibição de enzimas de reparação e interferência na mitose, não atuando diretamente sobre ele.
As substâncias químicas carcinogênicas genotóxicas diretas não têm limiar de ação.
Já para os carcinogênicos genotóxicos indiretos e para os não genotóxicos seria possível estabelecer um limiar.
Classificação de Cancerígenos e Concentrações Máximas nos Ambientes de Trabalho (MAK)
É com esses conceitos que podemos entender melhor a classificação de carcinogênicos adotada pela Comissão Permanente do Senado para Investigação de Perigos Químicos em Locais de Trabalho, mantida pela Fundação Alemã de Pesquisa (DFG).
Essa classificação combina a carcinogenicidade da substância com o seu modo de ação, visando à possibilidade de se estabelecer ou não um limite de exposição, e tem 5 categorias.
Categoria | Tem MAK/BAT | Definição Resumida | Exemplos |
1 | NÃO | Substâncias que causam câncer em seres humanos, havendo estudos epidemiológicos com evidências de uma correlação positiva entre a exposição de humanos ao agente e a ocorrência de câncer. | Benzeno, amianto, aflatoxinas, cromo VI (fração inalável), sílica cristalina e outros. |
2 | NÃO | Substâncias que são consideradas carcinogênicas para humanos porque estudos com animais indicam que elas podem contribuir para o risco de desenvolver câncer. | Naftaleno |
3 | DEPENDE! Poderá haver MAK ou BAT se não tiverem sido detectados efeitos genotóxicos ou se o efeito genotóxico não for o principal. | Substâncias suspeitas de ser carcinogênicas, mas sobre as quais não há dados suficientes para uma conclusão. A categoria 3 é uma classificação provisória. | Negro de fumo, dietanolamina, etileno, fenol e outros. |
4 | SIM | Substâncias que causam câncer em humanos ou animais ou que são consideradas como cancerígenas para humanas e para as quais um MAK pode ser obtido. O modo de ação não genotóxico é o principal e os efeitos genotóxicos não desempenham nenhum papel ou tem, no máximo, um papel menor, desde que os limites MAK e BAT sejam observados. Sob essas condições, nenhuma contribuição para o risco de câncer em humanos é esperada. | Clorofórmio, formaldeído, glutaraldeído, ácido peracético e outros. |
5 | SIM | Substâncias que causam câncer em humanos ou animais ou que são consideradas como cancerígenas para humanas e para as quais um MAK pode ser obtido. O modo de ação genotóxico tem muita importância, mas considera-se que contribui muito pouco para o risco de câncer em humanos, desde que os limites MAK e BAT sejam observados. A classificação e os valores MAK e BAT são baseados em informações sobre o modo de ação, dose-dependência e dados de toxicocinética. | Acetaldeído, diclorometano, etanol, isopreno e estireno. E só. |
Como já mencionado, as Concentrações Máximas estabelecidas (MAK) podem ser consultadas gratuitamente.
E agora? Existem limites seguros para cancerígenos?
Do que foi apresentado, e sem pretensão de esgotar o tema, conclui-se que para os cancerígenos genotóxicos diretos não há limite seguro.
Destaco o seguinte trecho do livro Toxicologia Ocupacional:
Limiar é uma questão de cunho científico. É assumido que uma substância química carcinogênica genotóxica primaria ou direta não possui limiar de ação, conforme foi visto anteriormente. Limite é uma necessidade administrativa/legal para regulação da toxicologia em várias áreas, como em alimentos, meio ambiente ou ocupacional. Sem limites estabelecidos, não é possível a ação fiscalizatória.
Então o simples fato de se estabelecer um limite legal não significa que esse limite seja seguro, ou que um trabalhador não vá desenvolver um câncer ocupacional mesmo quando exposto a concentrações menores que esse limite.
Devemos trabalhar para reduzir as exposições aos menores níveis possíveis, esgotando os limites da técnica – isso se você quiser trabalhar de forma ética e comprometida com a vida dos trabalhadores.
Destaco outro trecho do livro Toxicologia Ocupacional:
Para os carcinogênicos genotóxicos secundários e os não genotóxicos, para os quais é possível estabelecer um limiar, é possível definir um limite baseado em saúde. Já para os genotóxicos primários, os limites são estabelecidos por cada sociedade baseados na sua política social, isto é, no nível de mortalidade por aquele agente tolerado por aquela sociedade. […] o nível que esta sociedade está disposta a tolerar é, evidentemente, uma discussão complexa que envolve vários atores sociais, não sendo cientifica.
Cabe a reflexão de todos nós.
Façamos todos um bom trabalho!
Referências:
- Livro Toxicologia Ocupacional, do prof. Dr. José Tarcísio Buschinelli, publicado pela Fundacentro: http://arquivosbiblioteca.fundacentro.gov.br/exlibris/aleph/u23_1/bd/Toxicologia_ocupacional_final.pdf
- Versão 2021 da publicação “List of MAK and BAT Values”: https://series.publisso.de/sites/default/files/documents/series/mak/lmbv/Vol2021/Iss2/Doc002/mbwl_2021_eng.pdf