As ondas de calor e a exposição dos trabalhadores: e agora? – Parte 1

Estamos diante de um cenário complicado: espera-se que tenhamos ondas de calor cada vez mais frequentes, fortes e duradouras do que estávamos acostumados.

Para os trabalhadores que laboram a céu aberto, o problema é bastante óbvio.

No entanto, os trabalhos braçais em ambientes não climatizados (que envolvem um enorme grupo de trabalhadores) também são motivo de preocupação para nós, prevencionistas.

Afinal, a exposição ao calor pode provocar uma série de problemas, como vertigens, desmaios, fadiga extrema, dores de cabeça e, em casos mais graves, o famoso “golpe de calor”, que pode ter consequências fatais.

Nesse cenário, devemos ser práticos: o que pode ser feito? E, para aquelas empresas que só se preocupam em fazer o mínimo previsto na legislação: onde estão essas obrigações? Será que os trabalhadores do seu estabelecimento podem estar sujeitos a sobrecarga térmica?

É sobre isso que pretendemos falar nos próximos artigos.

Começando pelo básico: a avaliação preliminar da exposição ao calor.

Um item frequentemente esquecido por nós é o 3.2 do Anexo 3 da NR-9, que trata da avaliação preliminar da exposição. Entre os vários aspectos que a norma estabelece que sejam considerados, hoje vou destacar três:

3.2 A avaliação preliminar da exposição ocupacional ao calor deve considerar os seguintes aspectos, quando aplicáveis:

[…]

e) a caracterização das atividades e do tipo da exposição, considerando a organização do trabalho;

[…]

k) taxa metabólica para execução das atividades com exposição ao calor; e

l) registros disponíveis sobre a exposição ocupacional ao calor.

3.2.1 A avaliação preliminar deve subsidiar a adoção de medidas de prevenção, sem prejuízo de outras medidas previstas nas demais Normas Regulamentadoras.

Destaquei as alíneas “e”, “k” e “l” porque elas podem nos dar importantes pistas sobre a probabilidade (em sentido amplo) de exceder o nível de ação e o limite de exposição…

A importância da determinação da taxa metabólica.

Entre as tabelas que existem no Anexo 3, está a que relaciona tipos de atividades com as taxas metabólicas respectivas.

Essa é uma informação necessária para determinar o limite de exposição ao calor – tanto para trabalhadores aclimatizados quanto os não aclimatizados.

Para simplificar, vamos considerar uma situação de trabalho de um soldador em uma metalúrgica. Durante o período de uma hora avaliado usando a metodologia e os procedimentos descritos na NH0-06, o trabalhador fica envolvido apenas com essa atividade; assim, a taxa metabólica ponderada adotada será igual à taxa metabólica da atividade.

O soldador trabalha de pé e utiliza os dois braços. Alguém poderá discutir se o trabalho é moderado ou pesado, então vamos considerar as duas possibilidades, até para vermos se isso fará tanta diferença assim na nossa avaliação. Do Quadro 3, temos:

Conhecendo a taxa metabólica, podemos levantar três limites que nos interessam:

  • o nível de ação (que é o limite de exposição para trabalhadores não aclimatizados – Quadro 1 do Anexo 3 da NR-09);
  • o limite de exposição (Quadro 2 do Anexo 3 da NR-09);
  • o valor-teto (que consta da NHO-06).

Para as taxas metabólicas com que estamos trabalhando, temos:

Como já conversamos anteriormente, esses limites se referem ao IBUTG. Para saber mais sobre esse indicador, consulte esse artigo aqui:

https://www.sabersst.com.br/indices_calor_ibutg/

Avaliação Preliminar e os registros disponíveis sobre a exposição ocupacional ao calor

Ocorre que, em dias quentes, não é difícil ultrapassar os limites de exposição – em especial em locais com umidade do ar elevada!

Em dias muito quentes, que vêm ocorrendo com frequência, é possível até superar o valor-teto.

Busque valores históricos de temperaturas e umidade do ar na sua região e, também, avaliações que porventura tenham sido feitas na sua empresa.

“Brinque” com esses números em uma equação no Excel, faça simulações.

Para minha simulação, vou considerar a situação de Porto Alegre/RS no dia 18/12/2023, conforme consta nesse site: https://www.tempo.com/porto-alegre-sactual.htm.

Às 14 h, a temperatura era de 32oC, e a umidade relativa do ar era de 70,7%. Observe que não considerei a maior temperatura do dia, e que a umidade do ar está no valor médio histórico para o mês em Porto Alegre (conforme consta do Atlas Climático do RS). Podemos ter, então, situações ainda piores.

As variáveis que interessam para o cálculo do IBUTG, no entanto, não são essas. Precisamos da temperatura de bulbo úmido e da temperatura de globo. Então:

Para determinar o IBUTG, então, teríamos o seguinte:

Os dados considerados (32oC de temperatura de bulbo seco e umidade relativa do ar de 70,7%) corresponderiam a 27,5oC de temperatura de bulbo úmido e 33,53oC de temperatura de globo. Substituindo na equação, teríamos o IBUTG de 29,3oC.

Limite de exposição superado, mas não por muito, certo? Errado!

Afinal, não foi realizado o ajuste do IBUTG para a vestimenta do soldador!!!

Considerando que o soldador utilize avental longo de manga comprida de raspa, seria necessário um ajuste de 4oC no IBUTG obtido (Quadro 4 do Anexo 3 da NR-9), o que nos levaria a um valor de 33,3oC… Limite superado com folga – e isso se considerarmos que o trabalhador é aclimatizado!

E se em vez de um soldador usando um avental fosse um pintor usando um macacão impermeável sobre a roupa de trabalho, esse ajuste seria de 12oC, o que nos levaria a um IBUTG corrigido de 41,3oC, o que faria com que fosse superado até o valor-teto previsto na NHO-06…

E agora?

A ideia desse artigo é “provocar” você para que analise com mais cuidado a exposição ao calor nos ambientes de trabalho que você atende.

Esse perigo foi identificado no Inventário de Riscos do PGR? Foi feita a determinação da taxa metabólica e dos limites correspondentes? Já foi levantado quanto as vestimentas e EPIs somariam ao IBUTG?

E, claro, como nosso trabalho não se encerra em avaliar, falta o mais importante: o que se pode fazer para controlar essa exposição?

Isso é assunto para um próximo artigo. 😉

Façamos todos um bom trabalho!

Cibele Flores

Engenheira Mecânica, Engenheira de Segurança do Trabalho, Mestre em Engenharia, Auditora Fiscal do Trabalho e professora em cursos de especialização.

2 Resultados

  1. Marcos Barboza Camargo disse:

    Bom artigo.
    Estamos passando por esse problema, onde temos relatos do time operacional sobre o calor dentro da nossa planta.
    Tomamos ações, mas ainda não foram efetivas.

    • Cibele Flores disse:

      Sim, as medidas de controle não são tão simples de definir, considerando também a sua viabilidade econômica e, no teu caso, o fato de que é um problema sazonal (pelo menos por enquanto), o que acaba “desmotivando” as empresas quanto a esses investimentos… Mas é um tema inescapável!
      Até mais!

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