A Nova NR-17: O Que Mudou?
Após muitas discussões, finalmente a nova NR-17 foi publicada.
Além de buscar a harmonização com a nova NR-1, que estabelece o Gerenciamento de Riscos Ocupacionais (GRO/PGR), o texto trouxe muitas novidades.
E antes de começar a falar sobre o que mudou, é preciso lembrar que não se pode ler e interpretar as NRs isoladamente. Elas formam um conjunto.
Assim, não dá para ler a nova NR-17 sem ter lido (e entendido) a nova NR-1, ok?
Então, vamos lá!
1. Inclusão da avaliação ergonômica preliminar e valorização da AET.
O item que mais se destaca em uma primeira leitura da norma é o 17.3, “Avaliação das situações de trabalho”. Nele está prevista a tão falada “avaliação ergonômica preliminar”.
Infelizmente, para alguns colegas prevencionistas ela já virou “Avaliação Ergonômica Preliminar (AEP)”. É um triste indício de que esse instrumento para avaliações simples e mais diretas poderá se tornar mais um documento a ser comprado/vendido/transformado em modelo…
Claro que a realização da avaliação ergonômica preliminar deve ser registrada pela organização, mas não existe a expectativa de que seja criado um “documento-base” ou algo do tipo.
Essa ideia de que a avaliação ergonômica preliminar seja um instrumento simplificado é tão clara na norma que o item 17.3.1.2 estabelece que ela pode ser contemplada nas etapas de identificação de perigos e de avaliação dos riscos do GRO. 😉
E nesse novo cenário, em que há a previsão formal de uma avaliação simplificada prévia, a Análise Ergonômica do Trabalho – AET é colocada no lugar que de fato ela deveria ocupar: o de um instrumento de avaliação aprofundada de uma situação.
De acordo com a nova NR-17 (item 17.3.2), se deve realizar a AET quando:
a) observada a necessidade de uma avaliação mais aprofundada de uma situação;
b) identificadas inadequações ou insuficiência das ações adotadas;
c) sugerida pelo acompanhamento de saúde dos trabalhadores, nos termos do Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional – PCMSO e da alínea “c” do subitem 1.5.5.1.1 da NR 01; ou
d) indicada causa relacionada às condições de trabalho na análise de acidentes e doenças relacionadas ao trabalho, nos termos do Programa de Gerenciamento de Riscos – PGR.
Além disso, as etapas que a integram também passaram a integrar a norma, no item 17.3.3.
E lembra que a nova NR-17 está harmonizada com o PGR? Então:
- No inventário de riscos ocupacionais devem ser incluídos os resultados da avaliação ergonômica preliminar e, se for o caso, a revisão da identificação dos perigos e da avaliação dos riscos conforme AET (17.3.5).
- As medidas de prevenção previstas tanto pela avaliação preliminar quanto pela AET devem entrar nos planos de ação da empresa (17.3.6).
2. Muitas alterações no item “Organização do Trabalho”.
A inclusão que mais chama a atenção é a dos itens 17.4.2 e 17.4.3, que apontam situações em que se deve adotar medidas de prevenção, com exemplos dessas medidas.
Mas a redação da norma, ao tentar ser didática e exemplificativa, pode gerar confusão: quem não lê as NRs como um conjunto pode entender que a opção por uma medida técnica de engenharia, que poderia reduzir significativamente o nível de risco, é “igual” a uma medida como implantação de pausas.
Quanto a isso, sempre é bom lembrar que o texto da NR-1 diz que:
1.4.1 Cabe ao empregador:
[…]
g) implementar medidas de prevenção, ouvidos os trabalhadores, de acordo com a seguinte ordem de prioridade:
I. eliminação dos fatores de risco;
II. minimização e controle dos fatores de risco, com a adoção de medidas de proteção coletiva;
III. minimização e controle dos fatores de risco, com a adoção de medidas administrativas ou de organização do trabalho; e
IV. adoção de medidas de proteção individual.
Trabalho Sentado? Nem sempre…
Outra importante inclusão é a mudança do conceito sobre posição “ideal” para o trabalho. A “antiga” (entre aspas, porque está vigente até janeiro de 2022) NR-17 prevê que:
17.3.1 Sempre que o trabalho puder ser executado na posição sentada, o posto de trabalho deve ser planejado ou adaptado para esta posição.
A nova NR-17 apresenta a superação desse conceito duas vezes:
17.6.2 Sempre que o trabalho puder ser executado alternando a posição de pé com a posição sentada, o posto de trabalho deve ser planejado ou adaptado para favorecer a alternância das posições.
17.4.5 A concepção dos postos de trabalho deve levar em consideração os fatores organizacionais e ambientais, a natureza da tarefa e das atividades e facilitar a alternância de posturas.
Sobre isso, deixo uma passagem do livro Introdução à Ergonomia: da Prática à Teoria1:
“A possibilidade de variação postural constitui, então, a solução mais adequada para qualquer atividade humana.”
E sobre o item “Organização do Trabalho”, mais algumas observações:
- Algumas inclusões, apesar de necessárias, dão um atestado de como ainda se trata mal o trabalhador em nosso país. É o caso do item 17.4.3.3, que prevê que se deve assegurar a saída dos postos de trabalho para satisfação das necessidades fisiológicas dos trabalhadores independentemente da fruição das pausas.
- A nova NR-17 estabelece que, na organização do trabalho, deve-se considerar também os aspectos cognitivos que possam comprometer a segurança e a saúde do trabalhador (alínea “f”, 17.4.1). Sobre isso, recomendo a leitura do Capítulo 5 do livro Introdução à Ergonomia: da Prática à Teoria.
3. Levantamento, transporte e descarga individual de cargas.
Nesse item, se observa o mesmo tipo de inclusão que comentamos anteriormente no item “Organização do Trabalho”: exemplos de medidas de prevenção que se deve adotar.
As medidas listadas são ótimas, como a implantação de meios técnicos facilitadores, a adequação da carga (peso, dimensões e formato), além de alternância com outras atividades, adoção de pausas…
Então, só vale lembrar novamente da ordem de prioridade estabelecida na NR-1. 😉
Outro acréscimo bem explícito é o da alínea “a” do item 17.5.2, que estabelece que os locais para pega e depósito das cargas devem ser organizados de modo que o trabalhador não efetue flexões, extensões e rotações excessivas do tronco e outros posicionamentos e movimentações forçadas e nocivas dos segmentos corporais.
A rigor, isso não precisaria estar explícito na norma. Afinal, uma avaliação ergonômica preliminar poderia detectar isso – ou, dependendo do caso, ser objeto de uma AET.
Mas, na prática, por ser um problema tão comum em empresas dos mais diferentes setores, vale o destaque.
4. Outras mudanças da nova NR-17:
- No item que trata dos assentos utilizados nos postos de trabalho, ficou expressa a necessidade de que os sistemas de ajuste e manuseio dos assentos estejam acessíveis (17.6.6, “b”);
- A norma traz que os assentos utilizados para descanso nos locais em que se realiza trabalho em pé devem ter encosto. É uma coisa que parece bobinha, mas não é: muita empresa coloca banco no estilo “pracinha”, sem assento, porque a norma atual não obriga a ter (17.6.7);
- A norma determina a adaptação do teclado, do mouse e de tela no caso do uso de notebooks de forma não eventual (17.7.3.2).
E alguns itens estranhos…
- As microempresas e empresas de pequeno porte de graus de risco 1 e 2 não são obrigadas a elaborar a AET, a não ser quando sugerida pelo acompanhamento da saúde do trabalhador ou quando indicada causa relacionada às condições de trabalho na análise de acidentes e doenças (itens 17.3.4 e 17.3.4.1).
Então, ainda que se identifiquem inadequações, as ME/EPP não precisariam elaborar a AET?
- O item 17.4.7 prevê que os superiores hierárquicos devem ser orientados para facilitar a compreensão das atribuições de cada função, dialogar, facilitar o trabalho em equipe e estimular tratamento justo e respeitoso no ambiente de trabalho. Legal, certo?
Daí vem o item 17.4.7.1 e dispensa as empresas com até 10 empregados de atender a esse item…
Certamente o grupo que elaborou a norma tem uma história curiosa para contar sobre a inclusão desse subitem, mas é difícil entender que se dispense formalmente um grupo de empresas de orientar os chefes a tratar os trabalhadores de forma adequada…
E agora?
A nova NR-17 dá muito destaque à avaliação ergonômica preliminar e à Análise Ergonômica do Trabalho, o que está em sintonia com o PGR, que privilegia a autogestão por parte das empresas.
Nesse cenário, é ainda mais importante que os prevencionistas atuem de forma consciente, conhecendo os limites da sua formação e, se for o caso, buscando expandi-los.
Grande parte das AET elaboradas por aí são meros checklists, compilações de resultados de questionários ou aplicação de ferramentas de avaliação por vezes inadequadas para a situação de trabalho.
Isso se devia, talvez, à banalização da sua realização.
Vamos torcer para que, agora, pelo menos isso melhore, e que as empresas se comprometam com a adoção das medidas de prevenção recomendadas pelos profissionais, com seriedade e competência.
Façamos todos um bom trabalho!
1. Introdução à Ergonomia: da Prática à Teoria. Autores: Júlia Abrahão, Laerte Sznelwar, Alexandre Silvino, Maurício Sarmet e Diana Pinho. Editora Blucher.
Cara Cibele:
Agradeço o material e destaco o caráter crítico do mesmo, finalmente se coloca o dedo na ferida. Realizo AETs há muitos anos, assisti aulas como ouvinte com o Prof. Laerte e na Saúde Pública também. Confesso que me incomodou o termo “preliminar” a mim soa como uma análise “gambiarra”. Quando se pensa em fatores psico-fisiológicos a serem observados, pode-se imaginar uma avaliação preliminar? É coisa do tipo do argumento do secretário do trabalho ” não se pode comparar os riscos de uma grande empresa com a padaria da esquina” São “pensatas” de quem nunca frequentou postos de trabalho. Por favor, se voce precisar de ajuda em demandas ficaria muito grato em participar com pessoas do bem! abraços e ao Prof Laerte.
Obrigada pelo comentário!
Abraços!
Muito bom ter alguém que faça uma análise tão abrangente e, ao mesmo tempo, tão precisa sobre o novo texto. Sds. Airton
Obrigada pela gentileza, caro Airton!
Abraços!
Ótima matéria
Obrigada! 🙂
Cibele, sua explicação e questionamentos foram significativos e merece meus aplausos. Obrigada por compartilhar seus conhecimentos.
Obrigada, Cleia! 🙂