“Gerenciamento de Riscos Ocupacionais” x Prevenção Primária

Estamos vivendo um momento de muitas mudanças na nossa normatização, e é natural que isso gere dúvidas e ansiedade em todos.

Até já tem gente fazendo curso sobre NR que sequer foi publicada!

É legal estar atualizado, mas temos que lembrar que nossa energia não é infinita

Não podemos colocar toda nossa energia no “Gerenciamento de Riscos Ocupacionais” e esquecer do que realmente importa:

Prevenção.

São muitos cursos, muitos livros, muita gente falando sobre conformidade, documentos, sistemas, e quase nada tem sido falado sobre prevenção!

Em uma palestra em 2016 no evento Higiene Ocupacional:Quebrando Paradigmas, a higienista Berenice Goelzer resgatou o que Alice Hamilton escreveu em relação à silicose:

… obviamente, a única maneira de prevenir a silicose é evitar a formação e a disseminação da poeira.

E concluiu que:

O conceito de Higiene Ocupacional foi se formando gradualmente, com o reconhecimento da incontestável importância fundamental da prevenção primária.

Como nos afastamos tanto dessa visão?

Princípios de Prevenção Primária

Na apostila “Notas sobre Prevenção e Controle de Riscos Ocupacionais”, Berenice Goelzer nos lembra que:

O diagnóstico e o tratamento de uma doença profissional não podem prevenir sua ocorrência ulterior.

Isso parece óbvio, mas não é o que vemos no nosso cotidiano.

Muitas empresas tentam apresentar suas certificações como um “atestado” de boas práticas, enquanto se vê falhas grotescas nas suas medidas de controle dos riscos ocupacionais.

Sobre isso, a própria ISO 45001 diz que:

A adoção deste documento, no entanto, não assegura, por si só, a prevenção de lesões e problemas de saúde aos trabalhadores, o fornecimento de locais de trabalho seguros e saudáveis e a melhoria do desempenho de SSO.

Para prevenir doenças, então, deveríamos seguir os seguintes princípios:

  1. Evitar ou reduzir o uso de materiais, processos ou equipamentos que possam oferecer riscos para a saúde;
  2. Prevenir ou reduzir a formação ou ocorrência de agentes que possam oferecer riscos para a saúde;
  3. Evitar ou controlar a liberação de agentes de risco e sua disseminação no ambiente de trabalho;
  4. Evitar que os trabalhadores sejam atingidos/afetados pelos fatores de risco.

Qualquer semelhança com a famosa “hierarquia das medidas de controle” não é mera coincidência! 🙂

Provavelmente, nada do que escrevi até agora é novidade para você – pelo menos, não em teoria.

Mas na prática, o que fazer com isso?

1.Buscar substituir produtos perigosos por outros menos perigosos à saúde.

Isso pode ser difícil de começar, mas não é impossível.

Analise as FISPQ dos seus produtos, e veja as frases de perigo (hazard statements).

Uma “pista” para avaliar o risco da exposição a esses produtos está na publicação “The GHS Column Model 2017 – An aid to substitute assessment“, em que uma classificação em 5 categorias (muito alto, alto, médio, baixo, insignificante) é apresentada em função das frases H que estão na FISPQ do produto.

Nessa publicação, inclusive, há uma ótima “definição” para o risco, nesse contexto:

A risk exists if employees are capable of spatially and temporally encountering a hazard source (hazardous substance).

Interessante, não? 

Nessa publicação, você também encontra dicas de como fazer essa avaliação de produtos substitutos.

Se, por exemplo, o potencial substituto tiver uma categoria de risco mais alta quanto a incêndios e explosões e seu processo tem muitas fontes de combustão, talvez ele não seja um substituto adequado – mesmo se os efeitos crônicos à saúde forem menos severos…

Enfim, dicas boas para quem quer substituir substâncias perigosas.

2.Olhe seu local de trabalho como se você nunca tivesse estado ali.

Pergunte a você mesmo (e para os colegas) o porquê de certas coisas.

Por que um compressor de ar (ou outro equipamento “barulhento”) tem que estar no meio da produção, e expor todo mundo ao ruído?

Por que os recipientes com tintas e solventes estão sem tampa?

Por que a alimentação desse produto em pó tem que ser manual? Dá para usar o produto em outro formato, como escamas? Não dá para automatizar e enclausurar?

Por que tem uma coifa em cima da cabeça do pintor? Para “puxar” mais tinta ainda na direção do rosto dele? Por que não mudar essa forma de captar as névoas e vapores?

Enfim, muita coisa no seu local de trabalho pode não fazer sentido e, às vezes, as coisas são feitas apenas por hábito.

Mude isso!

3.Busque informações e conhecimento, sempre!

Isso vale para todos nós, o tempo todo.

As coisas mudam, e depressa! Veja o exemplo dos fumos de solda.

Eles foram “reclassificados” pela IARC do grupo 2B para o 1 em 2018. Isso quer dizer que os fumos de solda foram reconhecidos como carcinogênicos confirmados para humanos!

Então isso já deveria mudar a forma como você enxerga as atividades de soldagem.

O mesmo acontece com muitas outras coisas, que só aprendemos pesquisando, lendo e conversando com os colegas.

Tente estabelecer algumas metas, como ler um artigo técnico por semana. Anote termos ou conceitos que você não entender bem, para pesquisar mais tarde.

Gaste também alguns minutos por dia “fuçando” o site de alguma entidade reconhecida, como o HSE, o NIOSH, o Canadian Centre for Occupational Health and Safety

Certamente você aprenderá alguma coisa lá, inclusive soluções para problemas que você pode ter na sua empresa.

Cada conceito novo é uma janela que se abre! Acredite!

Desse jeito, um bom “Gerenciamento de Riscos Ocupacionais” virá naturalmente… 😉

Façamos todos um bom trabalho!


PS: “Gerenciamento de Riscos Ocupacionais” está entre aspas porque me refiro à possível nova norma, e não ao ato (corretíssimo!) de gerenciar os riscos ocupacionais. 😉

Cibele Flores

Engenheira Mecânica, Engenheira de Segurança do Trabalho, Mestre em Engenharia, Auditora Fiscal do Trabalho e professora em cursos de especialização.

6 Resultados

  1. AIRTON SILVA disse:

    Cibele: como sempre, brilhante e comunicativa. Airton.

  2. Nestor W Neto disse:

    Olá Cibele,
    Muito interessante. Importante lembrar também que uma boa gestão de riscos, com GRO ou sem GRO segue a hierarquia das medidas de controle, e nela, evitar a exposição ao risco é peça principal.
    Abração

  3. André Segatto disse:

    Parabéns pelo artigo Cibele.
    Realmente existe uma necessidade real e imediata de simplificação das rotinas de EHS, se não tomarmos o devido cuidado, as dúvidas corretas não irão aparecer e facilmente estaremos olhando para diversos indicadores, possivelmente não alinhados com o Gerenciamento de Riscos Ocupacionais” x Prevenção Primária.

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